terça-feira, 1 de maio de 2012

Peru, o retorno


Rumo a cidade branca

No dia seguinte saímos bem cedo e não tomamos café, mas surpresa: tinha café no busão! Tá certo que era chá com bolacha, mas que ônibus no Brasil tem isso? E o ônibus era razoavelmente confortável, em vista do que eu já vi (e vivi) no meu país! Adorei. 
O trajeto que fizemos na volta não era o mesmo da ida a Bolívia. Consistia em passar na cidade fronteiriça de Desaguadero, muito comentada no mundo mochileiro. Explico: a cidade, passagem obrigatória na travessia entre Peru e Bolivia pra quem não quer ou não precisa passar por Copacabana, é muito pobre e gira em torno da pequena agricultura, pesca e do pequeno comércio, tudo concentrado no sistema de feiras de rua da região. 

A feira fica bem em frente a saída da Aduana, por onde temos que passar a pé, tentando não pensar nas histórias de vários viajantes que passaram por ali e foram roubadas ou mesmo estorquidas pelos policiais corruptos. Confesso que me assustei com o lugar, pois o cenário é bem caótico, mas nada de ruim nos aconteceu, e seguimos viagem na boa. Recomenda-se ser cauteloso e ficar junto com a galera do busão, mas não sei o quanto é realmente perigoso circular por ali. 

Não bastasse a surpresa do café, fomos surpreendidos pelo almoço servido ali no busão pelo rodomoço, um verdadeiro luxo. Não me lembro do menu, mas garanto que matou a fome. Algumas voluntárias de ONGs estrangeiras se juntaram a nós nesse trecho, nos arredores de uma pequena vila na beira da estrada, e seguiram conosco até Puno. Isso me chamou a atenção, pois certamente elas não foram lá em busca de diversão e descanso, mas estavam ali pra de alguma forma amenizar o sofrimento dos que ali vivem, sem ter suas necessidades básicas supridas…  
Algumas horas depois, chegamos a Puno. É uma cidade pequena, mas famosa por abrigar um povo indígena chamado Uro. Os uros vivem em casas flutuantes sobre o Titicaca, em uma espécie de embarcaçao de palha. Mas não fomos até lá, apenas ouvimos falar. A nossa única empreitada em Puno foi mudar de ônibus, o que nos deu certo trabalho, já que os taxistas e picaretas de todo tipo nos cercavam tentando oferecer seus serviços. Mas a dica da moça da empresa valeu, conseguimos uma passagem mais barata até Arequipa. O ônibus fez algumas paradas antes de realmente sair da cidade, assim os vendedores ambulantes puderam nos oferecer seus produtos ali dentro mesmo. Foi a primeira vez que vi uma chichia morada (suco de milho roxo), e me fez não querer provar. 



O caminho dali até Arequipa foi tranquilo e cheio de paisagens, aliás, como em toda parte da viagem. Ali especialmente árido, porém com várias espécies de pássaros como flamingos voando e se banhando nas lagoas. Quando o ônibus parou na rodoviária em Arequipa já era noite. Pegamos um táxi e pedimos que nos levasse até o hostel que vimos, mas chegando lá, não tinha mais vaga. Aliás, o taxista nos levou em vários outros hostels, com o mesmo problema. Estava acontecendo um evento esportivo escolar na cidade, e vieram alunos de toda parte do Peru para participar, resultado: hostels lotados. Acabamos ficando em um pequeno hotel perto da praça, mais confortável que o de costume, o que foi bom, porém a diária não era o lá muito barata. Fazer o que, quem não tem cão, caça com gato mesmo. Depois dessa, não deixamos mais as reservas pra depois. O dia foi longo, então apenas comemos umas bolachas q tínhamos e fomos dormir.  

A rival de Lima

Arequipa é um patrimônio cultural da humanidade. A praça em especial, é muito bonita e bem cuidada, mas toda a parte histórica também é muito interessante. Além da cidade em si, existe na região uma área com muitos vulcões, o que torna a paisagem deslumbrante. Mesmo da praça é possível avistar o cume do vulcão Misti, onde se pode fazer escaladas. A cidade é uma “concorrente” de Lima em termos de cidade peruana com melhor qualidade de vida. Dizem que existe uma certa competição entre limenhos e arequipenhos, assim como no Brasil se fala em Rio-São Paulo como “concorrentes”. O que posso dizer é que o páreo é duro! 




Nosso primeiro dia na cidade foi um pouco turbulento, tivemos que fazer umas comprinhas na farmácia e nos hidratar bastante tomando isotônico e comendo coisas leves, se é que vocês me entendem. Apesar disso, ainda conseguimos conhecer todo o centro histórico a pé, e acompanhamos de longe uma procissão na praça. As atrações giram em torno da praça, mas há diversos lugares interessantes pra se conhecer. Um deles é o Monastério de Santa Catalina, um convento de freiras enclausuradas, mas que em parte se tornou um notório museu sobre a vida no claustro. Trata-se de uma cidadela muito bem preservada, que mostra como era a vida no claustro. Entre os locais que podemos visitar está a antiga cozinha, a lavanderia rústica que era usada pelas freiras, uma bela pinacoteca com obras de artistas da Escuela Cusqueña, jardins, uma igreja e os claustros, que parecem intocados, como se ainda morasse alguém neles. Um desses claustros pertenceu a Sor Ana de los Angeles a mais famosa moradora do monastério (mais detalhes no site – www.santacatalina.org.pe). 




Há também um café dentro do Monastério, que fica em um bem cuidado jardim, e serve ótimos sanduíches, todos com nomes de santos. O San Tomás caliente é uma ótima pedida! 
Seguimos de volta a praça, dessa vez para procurar um tour ao Cânion del Colca, que é uma das principais atrações da região. Existem diversas agências de turismo no entorno, então pesquisamos algumas e vimos que os pacotes eram bem parecidos, mas como tudo no Peru, é preciso pechinchar. Escolhemos um pacote simples para o dia seguinte, que incluía um pernoite em Chivay, a cidade mais próxima ao cânion, um jantar em um restaurante típico e o tour ao cânion. 
Mais a noite, os bares ficaram bem cheios, e havia diversas opções de restaurantes pra todos os gostos e bolsos. Fomos comer uma pizza acompanhada de uma Arequipeña bem gelada, no melhor estilo mochileiros. 

Vale del Colca 

A van passou nos hotéis para buscar a galera bem cedo, e antes de pegar a estrada paramos em uma venda, segundo a nossa guia, para comprar chocolates, água e bobagens de comer. De fato demorou um bom tempo, quase uma hora, e depois descobrimos que duas pessoas do nosso grupo perderam a hora e ficamos ali esperando por elesNão bastasse isso, quando estávamos quase chegando na rodovia, a van quebrou! A essa altura o sol estava a pino. Ficamos esperando a nova van vir nos buscar sentados no meio fio. Bendita hora que compramos as bobagens pra comer. 






Passado o começo perdido da viagem, finalmente pegamos a estrada, e percorremos um bom trecho até chegar ao mirador, um lugar muito interessante onde podemos apreciar os maiores vulcões da regiãoAlém disso, é claro, há barraquinhas de todo tipo de artesanato e souvenirs. Todos os carros de turismo param lá antes de seguir até Chivay, o que atrai vendedores de todo tipo de coisa. 
Mais adiante, uma parada para o almoço num restaurante típico. A comida não era assim tão boa, mas o preço era bem típico de restaurante de excursão. No caminho paramos para tirar fotos das lhamas, alpacas e das vicuñas, muito comuns no vale. 




Chegamos a Chivay no fim da tarde, e nos deparamos com o vale del Colca, quase um oásis naquela região árida. Algumas crianças pediam propina (em espanhol, que quer dizer um “cachê”) para tirarmos fotos deles, enquanto um homem mantinha um condor preso por uma corrente, para que os turistas pudessem por o pobre nos ombros, esperando é claro, pela propina. 
Nosso grupo foi dividido em alguns hotéis da cidade, talvez pelo preço pago. O hotel que ficamos era bem simples, mas deu pro gasto. Descansamos um pouco e a noite fomos ao restaurante, um típico lugar de excursões, mas a dança folclórica foi interessante. 

O cânion

Fizemos uma parada antes de chegar ao cânion, em uma praça onde estavam fazendo uma apresentação de dança. Logo adiante havia uma igrejinha em reforma, mais que ainda assim ficava cheia de turistas. 
O caminho até o cânion é feito por muitos viajantes a pé. Dizem que o trekking no Colca é muito legal, você vê coisas que de carro não notaria, mas como não tínhamos tempo sobrando, fomos de van mesmo. O Cânion del Colca é o cânion mais profundo do mundo, o que torna difícil de ver onde ele termina, mas o torna ainda mais interessante, especialmente se você nunca esteve em um cânion.  




momento mais esperado do dia foi o vôo do Condor, que surgiu desfilando no meio da cratera depois do sol sair e o vento ficar mais forte, se não me engano é o que o faz voar, ao menos lá. Parecia que o cânion era só um pano de fundo pro decolar do condor, pois de repente todos se voltaram para ver o pássaro fazendo suas acrobacias. Realmente uma coisa que não vemos todo dia. Terminado o vôo, era hora de voltar a Arequipa. 

Chegamos a cidade a tarde, e fomos direto a rodoviária para comprar a passagem para Nazca. Como ainda tinha tempo de sobra, já que a viagem seria a noite, voltamos ao centro histórico, até o hotel, e conseguimos deixar as mochilas no depósito enquanto fazíamos reserva do hostel em Nazca. Ainda fomos visitar mais algumas igrejas e fizemos um lanche antes de pegar o ônibus Flores rumo a Nazca. O ônibus vale um comentário extra; compramos passagens para a poltrona leito e valeu muito a pena, já que economizamos com a diária, pelo menos iríamos ter um pouco de conforto pela viagem de uma noite toda. E ainda teve jantar! 

As linhas de Nazca, uma visão para poucos

Quando chegamos a Nazca, mal tinha amanhecido. Pegamos um táxi e fomos para o hostel descansar. Pode não parecer, mas viajar quase todos os dias, mesmo estando de férias, é um tanto cansativo, e às vezes o corpo pede arrego. Então ficamos no hostel até mais tarde, e saímos só a tempo de pegar o café da manhã, que era pago a parte, mas bem servido por um preço justo. O dono do hostel era um sujeito boa gente, e ficamos batendo papo antes de conhecer a famosa atração da cidade. Era um holandês que se apaixonou por Nazca em uma viagem de férias e nunca mais voltou. Como ainda não tinha visto de permanência no Peru, de vez em quando ele ia pra Bolívia e passava uns dias lá, assim ele conseguia novo visto de entrada.

Ele nos conseguiu um transfer até o aeroporto por um precinho camarada, que viria nos buscar em meia horaAproveitamos para dar uma volta e conhecer os arredores do hostel, a praça da cidade e o comércio local, que ainda estava abrindo as portas. Como a cidade é pequena, meia hora foi suficiente pra saber onde iríamos jantar aquela noite. Ah, o Rodrigo finalmente conseguiu sacar dinheiro. Vai entender… 
O transfer foi nos buscar na hora combinada e fomos ao aeroporto Maria Reiche, de onde se pode visitar as Linhas de NazcaHá várias empresas aéreas que fazem o percurso, que não leva mais de meia hora, se você optar pelo trajeto simples. Havia muitos estrangeiros esperando ansiosamente a hora de embarcar num pequeno avião rumo ao deserto de Nazca, logo ao lado. Muitos japoneses, franceses, e gringos de toda parte estavam em grupos grandes. 

Nós compramos os bilhetes na Aeroparacas, e ficamos esperando nosso número ser chamado. Como são 5 lugares de passageiros em cada vôo, precisamos esperar até que aparecesse um grupo de 3 pessoas. Meia hora depois nos chamaram, e mais um grupo de gringos que falavam alguma coisa do tipo skavalska. Eram 3 homens altos e… fortinhos. O piloto perguntou quem gostaria de ser o “co-piloto”, e um deles se ofereceu. Devia ser legal mesmo ter a visão de frente, a melhor vista. Ele foi rápido. O Rodrigo e eu sentamos nos bancos do fundo, dois dos gringos na nossa frente, e adiante, o piloto e nosso amigo co-piloto. Pois bem, lá estávamos nós. Diferente da região montanhosa do Peru, Nazca fica em meio ao deserto, é uma região seca e muito, muito quente, e aquele dia não era diferente. 




O sol já estava alto quando decolamos. O piloto muito animado, se aventurava com seu espano inglês, que dava um tom de brincadeira pra qualquer coisa séria que ele quisesse dizer. Minutos depois, começamos a sobrevoar as Linhas. Elas foram misteriosamente traçadas pelo povo Nazca, que habitava a região, e foram descobertas por estudiosos apenas nos anos 1930. Hoje são patrimônio mundial da UNESCO, graças a estudiosa alemã Maria Reiche, que contribuiu para a preservação da área. Ainda não se sabe ao certo como as linhas puderam durar tanto tempo, e com qual propósito foram feitas. 

A primeira figura que avistamos foi o Condor. O piloto, muito ousado, fazia manobras absurdas com a desculpa de nos garantir o melhor ângulo pra tirar fotos. Como o Rodrigo se formou em Ciências Aeronáuticas, me contou que as manobras estavam arriscadas demais. Prova disso é que um tal de alarme de estol ficava apitando quase que o tempo todo, o que siginifica que o avião poderia ter entrado em parafuso a qualquer momento e caído! E foi isso. O condor foi tudo que eu consegui ver de todo o trajeto. Depois disso, meu estômago veio a boca, fiz um esforço imenso para não vomitar, principalmente na cara de alguém, já que como girava muito, talvez escapasse do saco. 




Eu consegui ao menos sair ilesa, porém nosso amigo co-piloto não resistiu as rodopiadas e fez um extenso uso do saco para vômito. Só lembro do piloto dizer coisas do tipo: Colibri to the right (ráait), em espano inglês, e em seguida uma rodopiada. O Rodrigo saiu ileso pela experiência anterior com teco-tecos, mas eu e o amigo co-piloto ficamos sentados nos bancos do lado de fora do aeroporto feito dois bêbados, de cabeça baixa, sem querer nem conversar, nem beber água, apesar do calorão que fazia. Aos poucos, outros que saíam do passeio se juntavam a nós.  A sorte foi que eu dei a máquina fotográfica pro Rodrigo e consegui ver as linhas todas, pelo menos na foto. Meses depois da nossa viagem, ficamos sabendo que um avião caiu lá e as pessoas morreram, o que não nos surpreendeu nem um pouco. Outro dia encontrei um artigo recente que falava sobre as Linhas de Nazca, que segundo a autora, podem ser fechadas a visitação, então, se tiverem disposição de sobra, apressem-se. 

Voltamos ao hostel e eu fui tomar um banho gelado e dormir um pouco. Havia uma piscina lá, mas como a gente queria visitar as catacumbas do Cemitério de Chauchilla, fomos até o restaurante no andar de cima pensando em fazer o tour logo depois. Pedimos um macarrão chino que estava delicioso! Dizem que o melhor tempero é a fome, e acredito que a comida estava bem temperada. 
Mas depois de almoçar, resolvemos não visitar as catacumbas, o cansaço estava grande, e fomos passear e comprar souvenir no centro, logo ali. Nazca é uma típica cidade do interior; uma praça, uma igreja, e o comércio local, além de lojas de lembrancinhas e agências de turismo. Estava rolando um concurso de barmen na rua principal, e parou quase a cidade toda. Eles faziam os coquetéis e distribuíam pra galera. Aproveitando o embalo, paramos em uma venda pra comprar PiscoPra quem não conhece, pisco seria o equivalente a nossa cachaça, mas é um destilado feito de uva. Existe uma rixa entre Peru e Chile inclusive, que disputam a autoria da bebida. Do pisco é feito o coquetel mais famoso do Peru, o Pisco Sour, uma delícia. Também existe a versão pronta e engarrafada, ou você pode comprar a mistura em pó e misturar no seu pisco.  

Aproveitamos para fazer a última reserva de hostel da viagem, o já conhecido “Hostel do Jaime”, na volta a Lima. Infelizmente não tivemos tempo de conhecer a região das Ilhas Balenas, quem sabe na próxima… 

Lima (pra terminar) em Miraflores

Pegamos o ônibus de volta a Lima em meio a um visual espetacular, que contemplava deserto, parreirais e o belo Pacífico. Uma parada em Ica pra trocar de ônibus, e chegamos a capital no fim da tarde. Ainda tivemos tempo de passear num shopping a beira mar, o Larcomar, com uma vista privilegiada para o oceano. Apesar do frio, o sol veio se despedir. 
Um jantar em Miraflores, um até logo ao Jaime (que nos disse que um dia gostaria de ter mesmo seu próprio hostel) e mochilas nas costas! O fim da viagem dá uma sensação curiosa... um misto de saudade de casa e vontade de ficar. Felizmente, se não dá pra ficar, dá pra voltar! Quem sabe um dia...
Até a próxima!  




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